sexta-feira, 25 de maio de 2007

Estréia é comentada em A TARDE

Debate e crítica.

Depois da pré-estréa ontem à noite na Fundação Joaquim Nabuco
em Recife, onde o debate com participação de agentes comunitários
reafirmou a vocação do filme de ser apreciado de forma muito especial pela pessoas que labutam no terceiro setor e conhecem a realidade dos que moram na rua,
leio o texto de João Sampaio em A Tarde que demonstra que escrever sobre filmes é antes de tudo respeitar o artista em seus contextos.

A TARDE - Caderno 2 Sexta-Feira , 25/05/2007

SAUDOSISMO

JOÃO CARLOS SAMPAIO


Depois de um demorado processo de produção, iniciado em 2002, o filme Esses Moços, primeiro longa-metragem do cineasta baiano José Araripe Jr., chega finalmente ao circuito de cinema.
A fita, que já passou por sessões especiais e festivais, incluindo a Mostra Internacional de São Paul o , estréia hoje em Salvador, Brasília e São Paulo.
Esses Moços conta a história de duas irmãs que fogem do interior para viver na capital baiana. Nas ruas, elas encontram Diomedes, um homem idoso que está desmemoriado.
O ator Inaldo Santana – protagonista de curtas-metragens como Lyn e Katazan, de Edgard Navarro, e O Anjo Daltônic o , de Fábio Rocha – encarna o simpático velhinho. As garotas Chaeind Santos e Flaviana Silva, escolhidas após cerca de 300 testes, interpretam as meninas em situação de rua.

FASCÍNIO – Salvador se descortina para as irmãs a partir da chegada na Cidade Baixa, pelo ferryboat vindo da Ilha de Itaparica.
O diretor José Araripe Jr., 46 anos, de Ilhéus, tenta sintetizar o mesmo fascínio que sentiu ao pisar na capital pela primeira vez.
Lembra, inclusive, que rodou um curta em Super 8 sobre isso. A fita, batizada de João Cidade, é o confronto adolescente de Araripe com a metrópole.
A Cidade Baixa é o cenário no qual todo o filme se desenvolve. É lá que as irmãs vão conhecer a dureza da vida em situação de rua, encontrar a maldade do bando de meninos, que lembram os capitães da areia, de Jorge Amado. Ao pedir esmolas, vão sentir o desdém dos que poderiam apoiá-las e descobrir que a ajuda pode vir do inesperado, pelas mãos do pobre trabalhador local, que lhes oferece pão.
O velho vivido por Inaldo Santana aparece na vida das meninas como uma possibilidade de sensibilizar mais os transeuntes e melhorar o ganho com as esmolas.
Só que, aos poucos, elas vão se sentir atraídas – primeiro a caçula, depois a mais velha – pelo jeito indefeso e dócil do idoso, que carrega uma misteriosa valise e uma alma de poeta.
O trio forma um núcleo familiar familiar incomum, que simboliza a esperança de superar as adversidades e a aspereza do desamparo na rua, usando de ternura e preocupação para com o outro.

IMAGENS DA MEMÓRIA – Araripe é fã confesso do cinema silencioso de Charles Chaplin, mas também dos pioneiros Georges Méliès, conhecido pelos truques que exploravam a mágica do audiovisual, e Dziga Vertov, documentarista, autor de uma obra que discute a própria natureza do cinema como registro do real.
Essas influências inspiraram o cineasta a criar um dos curtasmetragens brasileiros mais premiados e importantes da década de 90. Trata-se do primeiro trabalho profissional de Araripe, Mr. Abrakadabra! (1996), que conta a história de um velho mágico obcecado pela idéia do suicídio, recuperado à vida pelo feliz encontro com um garoto praticante das artes circenses.
De certa forma, o desmemoriado Diomedes (também o nome do bisavô de Araripe) é uma extensão daquele mágico de Mr.Abrakadabra!, que era interpretado pelo saudoso ator Jofre Soares.
Naquele exercício de curtametragem, o autor fazia a sua reverência ao cinema silencioso e buscava o mesmo tom das encantadoras histórias de Chaplin, sempre ternas e oscilantes entre o riso e a lágrima.
Araripe rodou dois curtasmetragens entre a citada obra de estréia e Esses Moços, os filmes Radio Gogó e O Pai do Rock (um dos episódios do longa 3 Histórias da Bahia). Só que nenhum dos dois dialoga tanto com o longa-metragem do que aquele filmete sobre o mágico suicida.
O protagonista de Esses Moços também tem alma de artista, não é ilusionista, mas é músico. No entanto, ele faz mágicas ao tirar um som soprando um pente e ao mostrar outros truques que vão alcançar o coração das duas meninas.Ele não pensa em suicídio, porque sequer tem um passado.
Simplesmente não lembra quem é e nem tem o que lamentar. Talvez uma situação ainda mais trágica que a do mágico.A redenção para o tipo é quase impossível. O mágico de Mr.
Abrakadabra! desiste de se matar, mas o velho Diomedes não tem escolha, sobra apenas os momentos de alegria que pode ter com as meninas ou nos furtivos encontros com pessoas queridas.
A vida deste homem está no passado. Justamente por isso o título do filme é Esses Moços, uma evocação à saudosista canção homônima de Lupicínio Rodrigues, que ganha uma bela versão na voz de Gilberto Gil, gravada especialmente para o filme.
Apesar do título, não há moços no filme de Araripe. A mocidade está no passado de Diomedes e no futuro que as meninas poderão ter. As fases tão distintas da vida dos personagens encontram a comunicação possível pela carência comum. Juntos, tentam achar meios para dar mais cores aos dias cinzas que experimentam.

Filme explora os cenários urbanos da Cidade Baixa

Comparado ao recente Cidade Baixa (2005), obra de outro diretor baiano, Sérgio Machado, Esses Moços explora muito mais os cenários urbanos da parte baixa da capital baiana. Não se fixa nos cartões postais óbvios, como o Elevador Lacerda e o Mercado Modelo e mostra a Praça do Mercado do Ouro, a Feira de Água de Meninos, a Estação de Trem da Calçada e o Subúrbio Ferroviário.

O roteiro do filme, escrito pelo próprio José Araripe Jr., em parceria com Hilton Lacerda, Ricardo Soares e Victor Mascarenhas, ressalta a cidade como mais um personagem da trama. Há uma Salvador que abre os braços e outra que cerra os punhos para as migrantes mirins.

Os bons trabalhos de fotografia e direção de arte destacam estas diferenças.

As cidades distintas ficam evidentes na fotografia de Hamilton Oliveira (o mesmo de Eu Me Lembro ), que explora dois tipos de paletas de cores. Há tons fortes para as cenas de tensão, no que poderia se chamar de cidade que nega chance às meninas, assim como há cores mais brandas para a fotografia dos lugares praieiros do subúrbio, onde as irmãs encontram acolhimento.

Araripe criou um filme centrado nos personagens, diferentemente da opção pelos filmes de narrativa. Boa parte da ação se constitui em delinear os três tipos centrais e mostrar as suas características. Talvez esteja no desequilíbrio entre privilegiar as figuras e não a história o ponto mais fraco deste longa-metragem.

Muitas pequenas coisas acontecem durante a trama de Esses Moços, mas é difícil achar uma história tão densa e madura no mesmo nível de cuidado dispensado à composição dos tipos. Isso cria um pouco de frustração e deixa o filme com o ar de um conjunto de intenções que não conseguem se concretizar na tela com toda a força do seu argumento original.

Ainda assim, uma empreitada cheia de proposições poéticas e um tom de candura bastante raro no cinema brasileiro atual (JCS).

4 comentários:

Roberto Camara Jr. disse...

Araripe, meu caro.
Tive a honra de ter sido seu aluno de linguagem cinematográfica na católica, lá pelos idos de 94...
Me ensinou a "ver" o cinema de um modo totalmente diferente.
Se hoje minha coleçãozinha de DVD's tem títulos como Casablanca, O Grande Ditador, Cidadão Kane, entre outros 110 títulos (todos originais a propósito, genérico não entra!) tenha certeza de que é influência sua.
Assisti ao trailer, pode guardar meu lugar para o filme!

Forte abraço,

Wiliam & Sussila disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Wiliam & Sussila disse...

Gostaria de saber, quando esta maravilha cinematográfica, deve chegar aqui, pelas bandas frias do sul. Moro em Porto Alegre e gostaria de saber se vcs já tem uma data prevista de estréia para esta capital. Espero, que para o bem cultural do Sul, não demore muito. Parabéns por esta criação.

Esses Moços - o longa. disse...

Agradeço a atenção dos visitantes deste espaço.Se possível comente com amigos, nossa capacidade d edivulgar é pequene e cotamos com isso.

Fico feliz de saber que Roberto, aluno dos bons, está cultivando a arte de ver.

Sussila, a distribuidora está negociando com exibidor de POA, onde sei que seremos bem recebidos por ser terra d emuitos amigos e também de Lupicínio que a tantos inspira.

abrcs

orb

Araripe