terça-feira, 29 de maio de 2007

Entrevista concedida à ATARDE on line

28/05/07 por Lucas Cunha
Do A Tarde On Line

“Um cineasta da Bahia aprende desde cedo que não adianta fazer roteiros mirabolantes”, afirma o diretor de “Esses Moços”

A arte na simplicidade. Esta parece ser a receita que guia a obra cinematográfica do cineasta baiano José Araripe Jr, que está lançando comercialmente em 2007 seu primeiro longa, “Esses Moços”.

O diretor vem da mesma geração de cineastas como Edgard Navarro, Fernando Belens, Póla Ribeiro, que só agora começam a filmar seus primeiros longas. Araripe aprendeu com o tempo que a chave para conseguir tornar possível suas produções estava na simplicidade: “Quando você é um cineasta da Bahia, nordestino, do terceiro mundo, você aprende desde cedo que não adianta fazer roteiros mirabolantes, porque não vai filmar”.

Dessa maneira foi feito o seu vídeo mais premiado até então: “Mr. Abrakadabra”, de 1994, que ganhou diversos prêmios como melhor filme no Cine Ceará e no Festival de Brasília, ambos em 1996: “No dia em que eu decidi fazer o roteiro mais simples, fiz o ‘Mr. Abrakadabra’. Isso foi uma grande lição para mim”. O curta mostra um mágico idoso (o já falecido ator Jofre Soares) que já não consegue mais fazer suas mágicas e resolve tentar o suicídio.

A lição então ficou nos trabalhos seguintes desse ilheense nascido em 1959: os curtas “Radio Gogó”, de 1999, com Caco Monteiro e Wagner Moura no elenco, sobre um homem que narra jogos de futebol de várzea, e “O Pai do Rock”, parte integrante do projeto “Três Histórias da Bahia”, lançado em 2000, sobre integrantes de uma banda de Heavy Metal em Salvador que fazem um pacto pelo sucesso comercial se transformando em uma banda de axé.

Quando chegou a hora de estrear no mundo dos longas, o diretor manteve a mesma estratégia: “Tinha que ser uma história simples, com poucos atores e que pudesse ser contada em poucos dias”, diz Araripe. Na verdade “Esses Moços” foi concebido primeiro como um curta a partir de um personagem de outro roteiro inédito de Araripe, “Menino de Circo”, que o diretor ainda pretende rodar. Dele, Araripe retirou o personagem vivido pelo ator Inaldo Santana, o misterioso senhor que conhecemos durante o filme.

Entretanto, a soma de alguns elementos ao argumento inicial fez com que o diretor reescrevesse o projeto como um longa: “Vieram junto três coisas: o meu avô, que tinha Alzheimer e apesar de não me reconhecer conversava com seus amigos da mesma idade; a música, já que essa canção sempre viveu impregnada na minha vida; e um casamento de idosos que vi na tevê no abrigo D. Pedro II”.

Expectativa

Filmado em 2001, “Esses Moços” só chegou aos cinemas seis anos depois, devido a uma crise na sociedade da produtora do seu filme. Esses problemas na produção deram tempo ao diretor para que fizesse algumas modificações: “Fiquei um ano com o filme parado. Quando voltei, remontei e tirei vinte minutos”.

Outro problema que enfrenta “Esses Moços” é algo muito comum nas produções nacionais: a distribuição. “Hoje nos EUA quase todos os orçamentos dos filmes chegam a 50% na parte de comunicação. Aqui não. Primeiro se filma e depois vai ver onde arranjar o dinheiro para finalizar”, comenta Araripe, incluindo seu próprio filme à lista. “Hoje a probabilidade de sucesso de um filme está ligado ao volume de publicidade que ele tem. Não tenho nenhuma expectativa em relação a ‘Esses Moços’. Ele está com duas cópias em 35 mm. A jogada que eu fiz foi acreditar na distribuição digital, que hoje já tem mais ou menos 90 salas” É graças ao mercado digital de distribuição que o filme conseguiu ser lançado simultaneamente em três cidades: Salvador, São Paulo e Brasília.

Cine PeBa

Sobre a atual situação do cinema baiano, Araripe é otimista e afirma que as coisas nunca estiveram tão prósperas: “Todas as gerações estão filmando. Desde Rex Schindler até o garoto de 14 anos. Tem escola, cinema de arte e uma nova política pública”.

Mesmo assim, o diretor compara que o cinema baiano ainda está muito atrás dos vizinhos pernambucanos: “Eles são mais articulados com o sudeste, coisa que nós não somos. Se vai fazer o filme, não faz pensando que ele tem de ser produzido só na Bahia”, analisa Araripe, que dá o exemplo de “Cidade Baixa”, do baiano Sérgio Machado como um modelo de atitude a ser seguido.

“‘Samba Riachão’ ganhou o festival de Brasília e todo mundo achou que ia ter uma distribuição fácil. Com ‘Eu Me Lembro’ foi a mesma coisa e nenhum dos dois foi pra lugar nenhum. Por que Cidade Baixa foi? Porque foi feito no mesmo modelo que o “Baixio das Bestas”, “Amarelo Manga”e “Ó Pai Ó”. Se é bom ou ruim, às vezes não importa.”

A Cidade Baixa de “Esses Moços”

Apesar do filme ser passado em Salvador, e do próprio diretor afirmar que ‘sua história poderia se passar em qualquer lugar’ a região que se sobrepõe nas cenas do filme é a Cidade Baixa, e isso não é uma coincidência: “A cidade é um personagem do filme”, diz Araripe, “Jorge Alfredo disse uma coisa interessante que “Esses Moços” deveria se chamar “Cidade Baixa” e “Cidade Baixa” deveria se chamar ‘Esses Moços’”, lembrando que a importância da região de Salvador no seu longa, maior até do que no filme de Sérgio Machado.

Mas dentro da Cidade Baixa, uma área em especial ganha destaque: a região próxima à estação da Calçada: “Eu não mostro o Elevador Lacerda, o Mercado Modelo porque eu tentei mostrar uma coisa ligada a estrada do ferro. Aquilo tudo foi construído em função de uma espécie de organização social voltada pro trem. Quando eu quis mostrar aquela cidade decadente, eu quis mostrar que aquela textura de decadência está ligada com a decadência do sistema rodoviário”, conclui Araripe.

Um comentário:

Celso de Carvalho disse...

Arara, ainda bem q passei pela época dos Flashs Gordons, Supermen, Batmen e tal, mas hoje vivo a era de supereróis (grafia intencional, aviso aos críticos de plantão)de verdade, como você!
Grande abraço,

Celso de Carvalho